sábado, 1 de fevereiro de 2020

A VIDA INVISÍVEL


(2019)

UM FILME CLAUSTROFÓBICO

O filme se passa no Rio de Janeiro dos anos 1950 e conta a história de duas irmãs que sofrem com as imposições de uma sociedade opressora e patriarcal. A obra é baseada no livro “A vida Invisível de Eurídice Gusmão” de Martha Batalha.
Esse novo trabalho do diretor Karim Aïnouz não possui a estética naturalista de “Madame Satã” e “O céu de Suely”, também assinados por ele, e assume um formato mais sofisticado. No entanto, não perde em comoção e melancolia quando necessário.
A estética do filme também é um ponto forte. A fotografia inicialmente granulada vai mudando de acordo com a cronologia. A medida que o tempo passa, ela assume tons mais nítidos e modernos. A trilha sonora, composta em sua maioria por músicas clássica, cria diversas atmosferas, até mesmo de suspense. O diretor utiliza muitos planos fechados especialmente em cenas de forte carga emocional, onde o olhar dos personagens falam por si.
O interessante de “A Vida Invisível” é a forma como evidencia o peso dos papeis sociais. Aqui, as mulheres respondem como podem ao contexto em que se encontram, e apesar de termos personagens enérgicas, posicionadas e em alguns momentos até ferozes, elas simplesmente são encurraladas pelas circunstâncias. Já para os personagens masculinos, a variedade de suas posturas é acobertada pelo privilégio social. Essas escolhas não foram por acaso já que o cineasta afirmou que ele não pretendia falar sobre vítimas, mas sobre resistência.
O elenco está muito bem. As irmãs Eurídice (Carol Duarte) e Guida (Julia Stockler) têm características que contrapõem umas às outras, são opostos que se complementam. Enquanto que Guida é refutadora e, desde o início, demonstra se opor às convenções impostas, Eurídice busca a liberdade sem fugir do que lhe é socialmente esperado.
Carol Duarte (Eurídice) transmite todo o senso de desespero e deslocamento que a personagem passa enquanto vive a vida como se estivesse interpretando a “boa moça” em uma peça de teatro. Julia Stockler (Guida), por sua vez, passa a postura endurecida que precisou tomar diante das intercorrências da vida. Apesar de se apresentarem em diferentes situações, o sofrimento de ambas gira em torno do lugar da mulher na sociedade.
Para além das protagonistas, os coadjuvantes também atendem às expectativas. Antônio Fonseca, que interpreta Manuel, pai de Guida e Eurídice, vive um homem declaradamente machista e autoritário. Ana (Flávia Gusmão) – mãe das meninas – é a típica representação da mulher oprimida, que abaixa a cabeça diante das imposições do marido, acatadas de forma absoluta e acima do bem-estar familiar. Gregório Duvivier dá vida a Antenor, marido de Eurídice, um funcionário dos Correios tolo que não assume as posições autoritárias típicas do chefe de família da época, mas se mantém em uma postura alienada e medíocre. O filme também conta com a participação de Fernanda Motenegro que brilha nas cenas em que aparece, sendo também uma bela homenagem a essa artista.
 “A Vida Invisível” é um filme que vale a pena ser assistido e discutido, pois, trata-se de uma narrativa “antiga” que aborda temas atuais. É um filme que não precisa falar sobre feminismo para trazer o seu conteúdo e deixa claro, o que existe de antigo que ainda se faz tão contemporâneo em nossa sociedade.

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