(2019)
UM FILME CLAUSTROFÓBICO
O
filme se passa no Rio de Janeiro dos anos 1950 e conta a história de duas irmãs
que sofrem com as imposições de uma sociedade opressora e patriarcal. A obra é
baseada no livro “A vida Invisível de Eurídice Gusmão” de Martha Batalha.
Esse
novo trabalho do diretor Karim Aïnouz não possui a estética naturalista de
“Madame Satã” e “O céu de Suely”, também assinados por ele, e assume um formato
mais sofisticado. No entanto, não perde em comoção e melancolia quando
necessário.
A
estética do filme também é um ponto forte. A fotografia inicialmente granulada
vai mudando de acordo com a cronologia. A medida que o tempo passa, ela assume
tons mais nítidos e modernos. A trilha sonora, composta em sua maioria por
músicas clássica, cria diversas atmosferas, até mesmo de suspense. O diretor
utiliza muitos planos fechados especialmente em cenas de forte carga emocional,
onde o olhar dos personagens falam por si.
O
interessante de “A Vida Invisível” é a forma como evidencia o peso dos papeis
sociais. Aqui, as mulheres respondem como podem ao contexto em que se
encontram, e apesar de termos personagens enérgicas, posicionadas e em alguns
momentos até ferozes, elas simplesmente são encurraladas pelas circunstâncias. Já
para os personagens masculinos, a variedade de suas posturas é acobertada pelo
privilégio social. Essas escolhas não foram por acaso já que o cineasta afirmou
que ele não pretendia falar sobre vítimas, mas sobre resistência.
O
elenco está muito bem. As irmãs Eurídice (Carol Duarte) e Guida (Julia
Stockler) têm características que contrapõem umas às outras, são opostos que se
complementam. Enquanto que Guida é refutadora e, desde o início, demonstra se
opor às convenções impostas, Eurídice busca a liberdade sem fugir do que lhe é
socialmente esperado.
Carol
Duarte (Eurídice) transmite todo o senso de desespero e deslocamento que a
personagem passa enquanto vive a vida como se estivesse interpretando a “boa
moça” em uma peça de teatro. Julia Stockler (Guida), por sua vez, passa a
postura endurecida que precisou tomar diante das intercorrências da vida.
Apesar de se apresentarem em diferentes situações, o sofrimento de ambas gira
em torno do lugar da mulher na sociedade.
Para além das protagonistas, os
coadjuvantes também atendem às expectativas. Antônio Fonseca, que interpreta
Manuel, pai de Guida e Eurídice, vive um homem declaradamente machista e
autoritário. Ana (Flávia Gusmão) – mãe das meninas – é a típica representação
da mulher oprimida, que abaixa a cabeça diante das imposições do marido,
acatadas de forma absoluta e acima do bem-estar familiar. Gregório Duvivier dá
vida a Antenor, marido de Eurídice, um funcionário dos Correios tolo que não
assume as posições autoritárias típicas do chefe de família da época, mas se
mantém em uma postura alienada e medíocre. O filme também conta com a participação de
Fernanda Motenegro que brilha nas cenas em que aparece, sendo também uma bela
homenagem a essa artista.
“A Vida Invisível” é um filme que vale a pena
ser assistido e discutido, pois, trata-se de uma narrativa “antiga” que aborda
temas atuais. É um filme que não precisa falar sobre feminismo para trazer o
seu conteúdo e deixa claro, o que existe de antigo que ainda se faz tão contemporâneo
em nossa sociedade.
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