sábado, 28 de março de 2020

DESOBEDIÊNCIA/ DISOBEDIENCE




(2017)

ESCOLHA: UM FARDO E UMA BENÇÃO


O longa assinado pelo chileno Sebastián Lelio, conta a história de Ronit (Rachel Weiss), uma mulher que vive em Nova York e após ser avisada sobre a morte do seu pai, o rabino Rav Krushka (Anton Lesser), precisa retornar à comunidade judaica onde nasceu e se encontrar com pessoas do seu passado. Durante a visita, o reencontro com sua amiga Est (Rachel McAdams) desperta um amor antigo.
A abertura do filme é um ótimo gancho para estabelecer o lugar de importância do rabino Rav naquela comunidade e apresentar o tema que será debatido no filme: a capacidade de escolha como uma benção ou um fardo.
Além de um romance, “Desobediência” é também um filme sobre busca. Os três personagens centrais (Ronit, Est e seu marido, Dovid) fazem parte do passado um do outro, e de diferentes maneiras buscam sua própria identidade. Vale ressaltar a maneira que o diretor soube capturar os costumes da sociedade judaica sem estereotipá-los. É um retrato muito honesto, que expõe um cotidiano assolado pela contenção e pelas regras de convivência, e em contrapartida, evidencia a beleza dos rituais judaicos com cenas que expõem cerimônias, orações, cânticos e discursos.
      Todo o elenco está muito bem. Rachel Weiss manifesta a confusão de sua personagem em ser descriminada pelo mesmo povo que venera o seu pai. Ela está sempre na defensiva e demonstra um nervosismo contextual.
Interpretando Est, Rachel McAdams convence no papel de uma mulher que tenta viver uma vida que não é sua. Ela expressa através do olhar e dos gestos contidos, o puritanismo que abafa a verdadeira pessoa por debaixo da peruca e das roupas escuras. As cenas em que Est se vê livre soam como um desabafo, e Rachel soube mostrar esse alívio sem exageros.
Alessandro Nivola vive Dovid, o marido de Est, não deixa a desejar na interpretação um homem sensível em um contexto repressor. É interessante como o filme nunca rivaliza esse personagem, mas mostra o lado humano de todos que estão naquele jogo em busca de si.
“Desobediência” nos coloca dentro da experiência, provavelmente tão deslocados e por vezes contemplativos como Ronit. O que temos finalmente, é a queda das mascaras e a sobreposição da escolha como uma chave para a liberdade.

DISCURSO FINAL (análise com spoilers)
          Vale um destaque a cena final, onde o rabino Dovid é comunicado sobre a decisão de sua esposa em se separar, pouco antes da cerimonia final. Essa cerimonia, além de uma homenagem ao rabino Ravi, é a passagem da “coroa” onde Dovid, como seu pupilo, deve assumir o seu lugar como principal rabino da sinagoga.
          Quando finalmente é chamado como “o filho espiritual de Ravi”, Dovid se desfaz do discurso perfeitamente estruturado opta por estabelecer a realidade diante daquele cenário omisso. Ele mostra Ronit, e afirma que ela é a única filha de Ravi. Não existe mais cerimônia ou fingimento, as pessoas precisariam reconhecer a filha que optou por um caminho diferente. Dovid reproduz a fala de Ravi proferindo que sua mensagem final foi “você é livre para escolher, você é livre”, e declara dirigindo-se a esposa, liberando-a daquele papel e liberando a si próprio da posição que não estava pronto para ocupar. Ele abandona o personagem do marido que tenta “salvar” a sua esposa da própria natureza, e decide abrir os olhos para além dos costumes pregados.
          A quebra do protocolo tem sua continuidade no abraço que Dovid dá em Est e Ronit. Os três amigos estavam juntos novamente, ainda que em caminhos desencontrados.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Estou Pensando em Acabar com Tudo

  DESAFIANDO A NECESSIDADE DE “ENTENDER TUDO” Charlie Kaufman que já havia se mostrado eficiente para criar uma melancolia não justificada...