(2017)
ESCOLHA: UM FARDO E UMA BENÇÃO
O longa assinado pelo chileno Sebastián Lelio, conta a história de Ronit (Rachel Weiss), uma mulher que vive em Nova York e após ser avisada sobre a morte do seu pai, o rabino Rav Krushka (Anton Lesser), precisa retornar à comunidade judaica onde nasceu e se encontrar com pessoas do seu passado. Durante a visita, o reencontro com sua amiga Est (Rachel McAdams) desperta um amor antigo.
A abertura do filme é um ótimo gancho para estabelecer o
lugar de importância do rabino Rav naquela comunidade e apresentar o tema que
será debatido no filme: a capacidade de escolha como uma benção ou um fardo.
Além de um romance, “Desobediência” é também um filme
sobre busca. Os três personagens centrais (Ronit, Est e seu marido, Dovid) fazem parte do passado um do outro, e
de diferentes maneiras buscam sua própria identidade. Vale ressaltar a maneira
que o diretor soube capturar os costumes da sociedade judaica sem
estereotipá-los. É um retrato muito honesto, que expõe um cotidiano assolado
pela contenção e pelas regras de convivência, e em contrapartida, evidencia a
beleza dos rituais judaicos com cenas que expõem cerimônias, orações, cânticos
e discursos.
Todo o elenco está muito bem. Rachel
Weiss manifesta a confusão de sua personagem em ser descriminada pelo mesmo
povo que venera o seu pai. Ela está sempre na defensiva e demonstra um
nervosismo contextual.
Interpretando Est, Rachel McAdams convence no papel de
uma mulher que tenta viver uma vida que não é sua. Ela expressa através do
olhar e dos gestos contidos, o puritanismo que abafa a verdadeira pessoa por
debaixo da peruca e das roupas escuras. As cenas em que Est se vê livre soam
como um desabafo, e Rachel soube mostrar esse alívio sem exageros.
Alessandro Nivola vive Dovid, o marido de Est, não deixa a desejar na
interpretação um homem sensível em um contexto repressor. É interessante
como o filme nunca rivaliza esse personagem, mas mostra o lado humano de todos
que estão naquele jogo em busca de si.
“Desobediência” nos coloca dentro da experiência,
provavelmente tão deslocados e por vezes contemplativos como Ronit. O que temos
finalmente, é a queda das mascaras e a sobreposição da escolha como uma chave para
a liberdade.
DISCURSO FINAL (análise com spoilers)
Vale um destaque a cena final, onde
o rabino Dovid é comunicado sobre a decisão de sua esposa em se separar, pouco
antes da cerimonia final. Essa cerimonia, além de uma homenagem ao rabino Ravi,
é a passagem da “coroa” onde Dovid, como seu pupilo, deve assumir o seu lugar
como principal rabino da sinagoga.
Quando finalmente é chamado como “o
filho espiritual de Ravi”, Dovid se desfaz do discurso perfeitamente
estruturado opta por estabelecer a realidade diante daquele cenário omisso. Ele
mostra Ronit, e afirma que ela é a única filha de Ravi. Não existe mais
cerimônia ou fingimento, as pessoas precisariam reconhecer a filha que optou
por um caminho diferente. Dovid reproduz a fala de Ravi proferindo que sua
mensagem final foi “você é livre para escolher, você é livre”, e declara
dirigindo-se a esposa, liberando-a daquele papel e liberando a si próprio da
posição que não estava pronto para ocupar. Ele abandona o personagem do marido
que tenta “salvar” a sua esposa da própria natureza, e decide abrir os olhos
para além dos costumes pregados.
A quebra do protocolo tem sua
continuidade no abraço que Dovid dá em Est e Ronit. Os três amigos estavam
juntos novamente, ainda que em caminhos desencontrados.