terça-feira, 21 de abril de 2020

SÉRGIO


(2020)APENAS “SÉRGIO”

   O grande diplomata brasileiro, Sérgio Vieira de Mello é aqui retratado pelo documentarista Greg Barker que aborda de forma mais íntima a vida do diplomata.
        O filme alterna entre o atentado no Iraque que levou a sua morte, e eventos passados que apresenta o personagem em sua vida íntima. Trata-se de uma cinebiografia de recorte pessoal, que explora a simplicidade do personagem. Tanto em seus discursos políticos como na maneira de se dirigir as pessoas, Sérgio se apresenta muito acessível, humano, natural. Imagem que ajudou a ser construída pelo ótimo trabalho de Wagner Moura, que oferece uma atuação muito leve e espontânea.
O diretor ostenta de momentos em que Sérgio é representado com trajes simples, andando a pé, cumprimentando a todos, na perspectiva de humanizar o personagem.
      O longa também aponta para conceitos como lar e retorno as raízes, por maio das falas de Sergio sobre o Arpoador, e os embates com Carolina acerca da tomada de decisão sobre sua vida.
     Apesar de exibir muitos momentos tocantes, o filme não explora as situações que levaram o personagem a ser a grande personalidade da ONU. A própria missão do Iraque é posta como uma tarefa de em que sua relevância é citada, mas não é desenvolvida.
     “Sérgio” é um filme que apresenta o homem por trás do grande cargo, mas que cita suas conquistas sem aprofundar em sua relevância e foca o peso dramático da trama no romance com Carolina.

terça-feira, 14 de abril de 2020

ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA/ BLINDNESS


FECHE OS OLHOS PARA VER MELHOR


(2008)

Aclamado por trabalhos como Cidade de Deus, Jardineiro Fiel e, mais recentemente Dois Papas, Fernando Meirelles nos presenteia com a adaptação do livro homônimo de José Saramago Ensaio sobre a Cegueira. A obra narra uma história com protagonistas sem nomes em uma realidade onde uma cegueira contagiosa toma conta da sociedade.
O desdobramento da trama se dá nas relações de convivência e na formação de uma comunidade colaborativa que busca viver de maneira minimamente harmoniosa diante das circunstâncias.
O confinamento e a falta de governo servem para explorar a humanidade dos personagens de maneira inicialmente pessimista, já que o cobertor da cegueira revela o sentimento de individualismo e manipulação que as pessoas apresentam.
Como diz o poeta Carlos Drummond de Andrade, “os seres humanos parecem não enxergar o que é visível, e comum a cada um de nós, no espaço. E ficam tristes, e no rastro da tristeza chegam à crueldade”. O longa explora situações degradantes onde a crueldade impera como uma forma de poder. O diretor não economizou em aspectos visuais para ressaltar a sujeira e a repugnância do local assim como das pessoas.
Representando os valores mais baixos da sociedade, o personagem de Gael Garcia Bernal é o líder que se utiliza da chantagem e agressividade como forma de controle. Ele escora-se na ameaça para fugir de sua própria mediocridade e admitir algum senso de superioridade perante os demais. Esse personagem é convincente já que a interpretação do Gael Garcia dá um tom de desespero e covardia. Ele reproduz uma fala insegura alternando com risadas nervosas e suas ordens e justificativas ao invés de bem articuladas tendem ao deboche.
O elenco como um todo está excelente. No centro do enredo, Julianne Moore interpreta a esposa do médico vivido por Mark Rufallo, que também é a única personagem não acometida pela cegueira. Ela dá vida a uma verdadeira líder que suporta tudo para garantir a sobrevivência do grupo. Enquanto seu marido é um homem sensato que busca liderar de maneira pacífica em uma realidade hostil.
 “Ensaio sobre a Cegueira” é uma obra dura e bela que especula sobre o comportamento humano em sociedade e também propõe uma analogia a respeito do olhar ao próximo.
ANÁLISE DA ANALOGIA (COM SPOILERS)
Há quem diga que em terra de cego quem tem um olho é rei. Nessa história, quem tem ambos é escravo, uma vez que a personagem de Julianne Moore está sempre a serviço de todos cumprindo quase que uma obrigação moral.
Além da imunidade, outra característica que sobressai na personagem é a disposição em cuidar de todos, desde um ladrão ferido até a mulher com quem o seu marido comete adultério.
Vale ressaltar o quanto a cena da traição revela sobre a personagem. Enquanto Moore se ocupava em manter o mínimo de ordem no local, seu marido reclamava que ela deixava de ser “esposa” para se transformar em uma espécie de mãe ou enfermeira.
Mesmo após a traição, ela segue acolhendo a todos, o que evidencia a sua capacidade de perceber o ser humano como ele é, com suas fragilidades e confusões. Eis o motivo pelo qual a sua visão se mantém intacta, ela não precisou passar pela cegueira para depois enxergar o próximo de verdade.

quarta-feira, 8 de abril de 2020

GRAVIDADE


(2013)
SOLITÁRIO

“Gravidade” é uma imersão tanto visual quanto sentimental no espaço. O longa conta a história da Dra. Ray Stone (Sandra Bullock), uma cientista em sua primeira viagem espacial onde, ao lado do colega Matt Kowalski (George Clooney), precisa consertar o telescópio Hubble. A situação sai do controle obrigando-os a enfrentar adversidades em um ambiente incompatível com a sobrevivência humana.
O filme possui uma atmosfera apreensiva já que o ambiente é a própria ameaça. Ao mesmo tempo em que o espaço é o elemento encantador que reflete a grandeza da natureza, também se mostra como um lugar misterioso, imponente e incontrolável.
O diretor, Afonso Cuarón, foi perspicaz em trabalhar uma trama que vai além da ameaça física. O filme explora o sentimento de solidão e inferioridade diante da natureza do espaço, que manifesta leis físicas as quais não estamos habituados e vamos desvendado conforme as vivências da personagem.  A presença da inércia, o silencio e a perda de referência, do que está em cima ou embaixo, tornam-se recursos de suspense que associados a trilha sonora minimalista capturam o espectador com cenas intensas.
Sandra Bullock no papel da protagonista transmite bem o desespero controlado de estar em uma situação onde ela não se sente tão preparada para enfrentar, tanto física como emocionalmente.
Vale ressaltar como os movimentos de câmera lenta e ritmada auxiliam a criar a sensação da falta de gravidade. O diretor também se utiliza de diversos enquadramentos, pondo a câmera em primeira pessoa e ressaltando a respiração da personagem, depois abrindo para um plano geral onde pega todo cenário, tudo de maneira fluida e variando de acordo com o ritmo da trama.
Gravidade é uma obra esteticamente impecável com uma personagem forte que vive uma “experiência inesquecível”.

ANÁLISE DE ANALOGIA (COM SPOILERS)
Nas entrelinhas da narrativa declarada, “Gravidade” sugere uma bela analogia ao renascimento, ao gesto de recomeçar. Não é a toa que a imagem de Ray na nave lembra um bebê no ventre. Aquele é o momento em que ela se viu temporariamente livre do perigo, onde pôde finalmente relaxar e se sentir guardada.
Finalmente chega a cena onde o conceito de Freud sobre “Pulsão de morte” se faz presente. Ele a define como uma força que tende a volta para o estado inanimado, é o desejo inconsciente de apagar, adormecer, deixar de existir.
Essas sensações são representadas no terceiro ato do filme, onde Ray se vê completamente isolada de comunicação e literalmente apaga os sistemas motores que a mantém viva, já que até então tudo se resumia a sobreviver.
“Eu saio do trabalho e apenas dirijo, é isso que eu tenho feito”, é assim que Ray descreve sua vida. Somente após a aparição enérgica do Matt, ela decide despertar, acender as luzes, aumentar o nível de oxigênio, movimentar-se para além do medo e despedir-se como pode da filha que já se foi.
É uma bela cena onde a personagem ressignifica a sua perda e decide agir. Tamanho é o seu ímpeto de vida que nem mesmo a morte importa, melhor é atravessar, tentar até a ultima possibilidade, para despencar incandescente em pleno oceano e romper a cápsula tal qual um segundo nascimento. Um nascimento para si própria.

Estou Pensando em Acabar com Tudo

  DESAFIANDO A NECESSIDADE DE “ENTENDER TUDO” Charlie Kaufman que já havia se mostrado eficiente para criar uma melancolia não justificada...