terça-feira, 14 de abril de 2020

ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA/ BLINDNESS


FECHE OS OLHOS PARA VER MELHOR


(2008)

Aclamado por trabalhos como Cidade de Deus, Jardineiro Fiel e, mais recentemente Dois Papas, Fernando Meirelles nos presenteia com a adaptação do livro homônimo de José Saramago Ensaio sobre a Cegueira. A obra narra uma história com protagonistas sem nomes em uma realidade onde uma cegueira contagiosa toma conta da sociedade.
O desdobramento da trama se dá nas relações de convivência e na formação de uma comunidade colaborativa que busca viver de maneira minimamente harmoniosa diante das circunstâncias.
O confinamento e a falta de governo servem para explorar a humanidade dos personagens de maneira inicialmente pessimista, já que o cobertor da cegueira revela o sentimento de individualismo e manipulação que as pessoas apresentam.
Como diz o poeta Carlos Drummond de Andrade, “os seres humanos parecem não enxergar o que é visível, e comum a cada um de nós, no espaço. E ficam tristes, e no rastro da tristeza chegam à crueldade”. O longa explora situações degradantes onde a crueldade impera como uma forma de poder. O diretor não economizou em aspectos visuais para ressaltar a sujeira e a repugnância do local assim como das pessoas.
Representando os valores mais baixos da sociedade, o personagem de Gael Garcia Bernal é o líder que se utiliza da chantagem e agressividade como forma de controle. Ele escora-se na ameaça para fugir de sua própria mediocridade e admitir algum senso de superioridade perante os demais. Esse personagem é convincente já que a interpretação do Gael Garcia dá um tom de desespero e covardia. Ele reproduz uma fala insegura alternando com risadas nervosas e suas ordens e justificativas ao invés de bem articuladas tendem ao deboche.
O elenco como um todo está excelente. No centro do enredo, Julianne Moore interpreta a esposa do médico vivido por Mark Rufallo, que também é a única personagem não acometida pela cegueira. Ela dá vida a uma verdadeira líder que suporta tudo para garantir a sobrevivência do grupo. Enquanto seu marido é um homem sensato que busca liderar de maneira pacífica em uma realidade hostil.
 “Ensaio sobre a Cegueira” é uma obra dura e bela que especula sobre o comportamento humano em sociedade e também propõe uma analogia a respeito do olhar ao próximo.
ANÁLISE DA ANALOGIA (COM SPOILERS)
Há quem diga que em terra de cego quem tem um olho é rei. Nessa história, quem tem ambos é escravo, uma vez que a personagem de Julianne Moore está sempre a serviço de todos cumprindo quase que uma obrigação moral.
Além da imunidade, outra característica que sobressai na personagem é a disposição em cuidar de todos, desde um ladrão ferido até a mulher com quem o seu marido comete adultério.
Vale ressaltar o quanto a cena da traição revela sobre a personagem. Enquanto Moore se ocupava em manter o mínimo de ordem no local, seu marido reclamava que ela deixava de ser “esposa” para se transformar em uma espécie de mãe ou enfermeira.
Mesmo após a traição, ela segue acolhendo a todos, o que evidencia a sua capacidade de perceber o ser humano como ele é, com suas fragilidades e confusões. Eis o motivo pelo qual a sua visão se mantém intacta, ela não precisou passar pela cegueira para depois enxergar o próximo de verdade.

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