FECHE OS OLHOS PARA VER MELHOR
(2008)
Aclamado
por trabalhos como Cidade de Deus, Jardineiro Fiel e, mais recentemente Dois
Papas, Fernando Meirelles nos presenteia com a adaptação do livro homônimo de
José Saramago Ensaio sobre a Cegueira. A obra narra uma história com
protagonistas sem nomes em uma realidade onde uma cegueira contagiosa toma
conta da sociedade.
O
desdobramento da trama se dá nas relações de convivência e na formação de uma
comunidade colaborativa que busca viver de maneira minimamente harmoniosa
diante das circunstâncias.
O
confinamento e a falta de governo servem para explorar a humanidade dos
personagens de maneira inicialmente pessimista, já que o cobertor da cegueira
revela o sentimento de individualismo e manipulação que as pessoas apresentam.
Como
diz o poeta Carlos Drummond de Andrade, “os seres humanos parecem não enxergar
o que é visível, e comum a cada um de nós, no espaço. E ficam tristes, e no
rastro da tristeza chegam à crueldade”. O longa explora situações degradantes
onde a crueldade impera como uma forma de poder. O diretor não economizou em
aspectos visuais para ressaltar a sujeira e a repugnância do local assim como
das pessoas.
Representando
os valores mais baixos da sociedade, o personagem de Gael Garcia Bernal é o
líder que se utiliza da chantagem e agressividade como forma de controle. Ele
escora-se na ameaça para fugir de sua própria mediocridade e admitir algum senso
de superioridade perante os demais. Esse personagem é convincente já que a
interpretação do Gael Garcia dá um tom de desespero e covardia. Ele reproduz
uma fala insegura alternando com risadas nervosas e suas ordens e
justificativas ao invés de bem articuladas tendem ao deboche.
O
elenco como um todo está excelente. No centro do enredo, Julianne Moore
interpreta a esposa do médico vivido por Mark Rufallo, que também é a única
personagem não acometida pela cegueira. Ela dá vida a uma verdadeira líder que
suporta tudo para garantir a sobrevivência do grupo. Enquanto seu marido é um
homem sensato que busca liderar de maneira pacífica em uma realidade hostil.
“Ensaio sobre a Cegueira” é uma obra dura e
bela que especula sobre o comportamento humano em sociedade e também propõe uma
analogia a respeito do olhar ao próximo.
ANÁLISE
DA ANALOGIA (COM SPOILERS)
Há
quem diga que em terra de cego quem tem um olho é rei. Nessa história, quem tem
ambos é escravo, uma vez que a personagem de Julianne Moore está sempre a serviço de todos cumprindo quase que uma obrigação moral.
Além
da imunidade, outra característica que sobressai na personagem é a disposição
em cuidar de todos, desde um ladrão ferido até a mulher com quem o seu marido
comete adultério.
Vale
ressaltar o quanto a cena da traição revela sobre a personagem. Enquanto Moore
se ocupava em manter o mínimo de ordem no local, seu marido reclamava que ela
deixava de ser “esposa” para se transformar em uma espécie de mãe ou
enfermeira.
Mesmo
após a traição, ela segue acolhendo a todos, o que evidencia a sua capacidade
de perceber o ser humano como ele é, com suas fragilidades e confusões. Eis o
motivo pelo qual a sua visão se mantém intacta, ela não precisou passar pela
cegueira para depois enxergar o próximo de verdade.
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