DESAFIANDO A NECESSIDADE DE “ENTENDER TUDO”
Charlie Kaufman que já havia se mostrado
eficiente para criar uma melancolia não justificada em “O Brilho Eterno de uma
Mente sem Lembranças” (roteirista) e “Anomalisa” (diretor), traz essa atmosfera
para o Netflix, em uma obra confusa, inquietante e fora da caixa, seja essa
caixa para abarcar gêneros ou roteiros “amarradinhos”.
Aqui, o lugar comum dá espaço ao onírico
em uma experiência sinestésica que para a maioria, pode incomodar ao escapar
dos eventos lógicos e nos deixar a mercê das nossas próprias interpretações,
enquanto vemos a teia racional se dissolver na nossa frente.
No entanto, sair da fixação na narrativa
clássica, onde o filme só vale a pena quando explicado, permite que alcancemos
reflexões propostas nas entrelinhas, como: a capacidade de tomarmos decisões
por nós mesmos e o peso das escolhas que são feitas, ou negligenciadas.
Baseado no livro do Iain Reid, o filme
conta a história de uma mulher que viaja para conhecer os pais do namorado com
quem está pensando em terminar. Acompanhamos o dilema mental da protagonista
que narra em pensamento, a sensação angustiante de se ver presa em uma dúvida
e, apesar de justificar diferentes pontos de vista sobre o mesmo assunto,
nenhuma conclusão é suficiente para fazê-la avançar.
O longa sustenta uma atmosfera
claustrofóbica que comunica com a sensação de estar preso na mesma situação a
qual ensaia sair inúmeras vezes. Assim como o carro percorre uma paisagem quase
estática, o filme trabalha elementos de repetição que exaltam o sentimento de paralisação
como: o cachorro que se sacode para secar pelos que nunca secam, e a
protagonista que desce uma escada sem fim, presa na mesma dúvida, na mesma
casa, a qual nunca parece haver uma saída simples, enquanto ansiamos por uma
resposta que nunca chega.
No final do segundo ato, uma cena
aparentemente casual envolvendo a compra de um milk-shake, expõe elementos
simbólicos para a trama. Trata-se de um momento onde os protagonistas
consideram uma opção disponível, mas não necessariamente desejada. A ideia de tomar
milk-shake no meio de uma estrada coberta de neve só é justificada pela
pergunta “por que não?”, e assim como o relacionamento em questão, o novo item
passa de uma ideia aceitável para algo que não é assim tão gostoso, para algo
que atrapalha, e se torna um peso, e se torna um incômodo, e modifica toda a
rota em função de uma ideia que apenas parecia boa.
Entre essas e outras conexões
simbólicas, Estou Pensando em Acabar com Tudo trabalha questionamentos humanos acerca
das relações interpessoais e a genuinidade de nossas escolhas. Como diria a
citação da protagonista: Nada é mais raro em um homem, do que um ato próprio.