quinta-feira, 12 de novembro de 2020

Estou Pensando em Acabar com Tudo

 


DESAFIANDO A NECESSIDADE DE “ENTENDER TUDO”

Charlie Kaufman que já havia se mostrado eficiente para criar uma melancolia não justificada em “O Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças” (roteirista) e “Anomalisa” (diretor), traz essa atmosfera para o Netflix, em uma obra confusa, inquietante e fora da caixa, seja essa caixa para abarcar gêneros ou roteiros “amarradinhos”.

Aqui, o lugar comum dá espaço ao onírico em uma experiência sinestésica que para a maioria, pode incomodar ao escapar dos eventos lógicos e nos deixar a mercê das nossas próprias interpretações, enquanto vemos a teia racional se dissolver na nossa frente.

No entanto, sair da fixação na narrativa clássica, onde o filme só vale a pena quando explicado, permite que alcancemos reflexões propostas nas entrelinhas, como: a capacidade de tomarmos decisões por nós mesmos e o peso das escolhas que são feitas, ou negligenciadas.

Baseado no livro do Iain Reid, o filme conta a história de uma mulher que viaja para conhecer os pais do namorado com quem está pensando em terminar. Acompanhamos o dilema mental da protagonista que narra em pensamento, a sensação angustiante de se ver presa em uma dúvida e, apesar de justificar diferentes pontos de vista sobre o mesmo assunto, nenhuma conclusão é suficiente para fazê-la avançar.

O longa sustenta uma atmosfera claustrofóbica que comunica com a sensação de estar preso na mesma situação a qual ensaia sair inúmeras vezes. Assim como o carro percorre uma paisagem quase estática, o filme trabalha elementos de repetição que exaltam o sentimento de paralisação como: o cachorro que se sacode para secar pelos que nunca secam, e a protagonista que desce uma escada sem fim, presa na mesma dúvida, na mesma casa, a qual nunca parece haver uma saída simples, enquanto ansiamos por uma resposta que nunca chega.

No final do segundo ato, uma cena aparentemente casual envolvendo a compra de um milk-shake, expõe elementos simbólicos para a trama. Trata-se de um momento onde os protagonistas consideram uma opção disponível, mas não necessariamente desejada. A ideia de tomar milk-shake no meio de uma estrada coberta de neve só é justificada pela pergunta “por que não?”, e assim como o relacionamento em questão, o novo item passa de uma ideia aceitável para algo que não é assim tão gostoso, para algo que atrapalha, e se torna um peso, e se torna um incômodo, e modifica toda a rota em função de uma ideia que apenas parecia boa.

Entre essas e outras conexões simbólicas, Estou Pensando em Acabar com Tudo trabalha questionamentos humanos acerca das relações interpessoais e a genuinidade de nossas escolhas. Como diria a citação da protagonista: Nada é mais raro em um homem, do que um ato próprio.

Escritores da Liberdade

 


Não há nada como o sonho para criar o futuro. Utopia hoje, carne e osso amanhã.” Essa famosa frase de Vitor Hugo pode representar a linda história de Erin Gruwell em seu primeiro emprego, na escola Woodrow Wilson em Long Beach, California, onde foi destinada a ensinar uma turma pertencente a um programa de integração voluntaria, caracterizada por alunos de distintas nacionalidades, onde muitos faziam parte de gangs.

Além dos alunos apresentarem uma extrema hostilidade entre si e contra a professora, a própria escola aconselha Erin a cumprir a sua função de maneira rudimentar, apenas para garantir superficialmente que o programa está sendo aplicado. Após uma recepção desconvidativa, Erin busca maneiras de realizar o seu trabalho dando sentido à vida daqueles jovens e servindo de inspiração para que eles enxerguem novas possibilidades.

O interessante em Escritores da Liberdade é como o filme explora os obstáculos que a protagonista precisa atravessar para fazer algo digno. Trocando em miúdos: não basta ter uma ideia bonita de querer ajudar, é preciso esforço e resistência para suportar o desamparo dos descrentes.

Ao investir tempo e energia para entender o contexto de seus alunos e a partir dele, tornar o aprendizado possível, Erin é desencorajada pela escola e até pelos próprios familiares, que julgam sua atitude como utópica. No entanto, ao pensar fora da caixa, Erin trás em sua prática, os resultados de ir além de imposições limitantes. Ao conhecer o universo daqueles tidos como incapazes, ela aprende e desperta neles o desejo de aprender.

Baseado no livro “O Diário dos Escritores da Liberdade”, escrito pelos próprios alunos, Escritores da Liberdade é uma história de inspiração que mostra o poder edificante da educação. Agora disponível na plataforma de Streaming Netflix.

O Rei Leão


Longa de estreia dos diretores Roger Allers e Rober Minkoff, a animação Rei Leão marcou gerações e se tornou um dos maiores sucesso da Disney. Com roteiro inspirado em Hamlet, conta uma história executada em três atos onde a jornada de queda e ascensão do herói é exibida de maneira didática através da saga de Simba.

A obra é protagonizada por um príncipe atormentado por se sentir culpado pela morte do próprio pai, que decide virar as costas para tudo o que aprendeu e viver em um novo lema, onde o passado não importa na ilusão de uma vida sem problemas.

Dentre outros temas, essa premissa é uma das identificações que o filme proporciona: a fuga de si mesmo como uma opção possível. Teoria que cai por terra com o retorno dos personagens Nala e Rafik, que alertam Simba acerca de quem ele realmente é e qual o seu propósito na vida.

Vale ressaltar como a relação entre Simba e Mufasa também é importante para nos inserir em cada ato do enredo. No início, é notável a força da presença de Mufasa como figura de instrução e segurança para o protagonista. O amor entre eles é explorado com diálogos de ensinamento e descontração, e se mostra na icônica cena da debandada, em que Mufasa sacrifica a própria vida para salvar o filho. É também o sentimento de amor e admiração pelo pai que desperta Simba de sua letargia no universo do Hakuna Matata e lhe chama de volta para reestabelecer a ordem do reino e cumprir sua missão.

É fácil se identificar com a obra, visto que ao ser construída como um “filme para a família”, O Rei Leão alcança diferentes gerações. Embalados por lindas músicas e diálogos profundos, temas como justiça, responsabilidade, respeito, liderança e espiritualidade são apresentados de forma ora explícita, ora enigmática, deixando algo a ser discutido nas entrelinhas.

O filme cumpre o que é anunciado na musica de abertura “O Ciclo sem fim” onde cada um encontra o seu desígnio no ciclo da vida, deixando a mensagem inspiradora sobre a descoberta de si mesmo e o que se fazer com isso.

segunda-feira, 31 de agosto de 2020

Wanderlust

 


Os romances atuais envolvendo novas configurações de relacionamento não são mais uma novidade. O diferencial de Wanderlust é trazer essa proposta para um casal de meia idade em um contexto familiar convincente.

            Ao perceberem sua vida sexual minguando, Joy (Toni Collete) e Alan (Steven Mackintoshe) decidem abrir o casamento como uma tentativa de salvá-lo. Apesar da proposta se instalar de maneira conflituosa, a novidade e o mistério enfeita a dinâmica conjugal em uma crescente de cumplicidade e interesse mútuo.

            Wanderlust não se limita a explorar vastas experiências de relacionamentos, mas a fazer um estudo do efeito que cada envolvimento gera, tanto para o casal central, como para “terceiros”. Da mesma forma, a série acerta ao estabelecer o seguinte paradoxo na dinâmica dos protagonistas: encontrar-se com diferentes pessoas e se reencontrar enquanto casal. Duas situações aparentemente opostas onde uma contribui para o acontecimento da outra.

Em apenas seis episódios, histórias que compõem a vida de Joy e Alan são contadas com de forma direta e profunda. Cada personagem tem o seu momento e temas aparentemente divergentes, como luto e auto aceitação, se conectam à trama central.

A atuação da Toni Collete (Joy) é a força motriz da série, e com seu carisma entrega uma personagem que passeia entre o melancólico e o despojado com uma interpretação muito humana.

Wanderlust é rica em forma e conteúdo, pois conta uma boa história através de uma bela fotografia embalada por diferentes gêneros musicais na trilha, que vão desde R&B até rock indie, preenchendo os “vazios” contemplativos.

Fleabag

O FESTIVAL DAS MÁSCARAS

A vida comum de uma mulher que tenta fugir das próprias dores com muito humor e muito sexo pode ser interessante de acompanhar quando escrita pela  Phoebe Waller-Bridge (atriz principal), e dirigida por Harry Bradbeer. “Fleabag” retrata as vivências cotidianas de uma mulher sem nome, e apimenta a trama com personagens excêntricos e cenas que vão do cômico ao desconfortável.

            Ainda que pessoas que se ancoram em sexo e relacionamentos para tapar um vazio já seja um tema batido em filmes e séries, “Flebag” trás algo original pela maneira caricata como apresenta seus personagens e satiriza os rituais de convivência humana.

            O grande charme da série está no senso de humor das constantes observações que a protagonista faz ao falar diretamente com a câmera. Com o passar dos episódios essas mediações ficam cada vez mais objetivas e se reduzem a olhares e expressões cumplices que divertem o expectador junto com a personagem. Criamos intimidade por uma pessoa divertida, maliciosa e imprudente.

Através de diálogos e breves flashbacks, conhecemos o passado as e as motivações da protagonista, que contextualizam a inconsequência de suas atitudes. Ainda que discordemos de determinadas ações, a sua personalidade singular e carismática, puxa a nossa atenção para maneira como lida com as provocações ao seu redor.

Não se pode negar o peso da família em sua vida, que é por onde o roteiro toma forma. Em todos os episódios existe uma participação relevante dos membros que a compõem, onde encontros são marcados por diálogos passivo agressivos e jogos poder disfarçados de comentários casuais.

 As atuações não ficam para trás em qualidade, todos conseguem ser engraçados e comoventes na forma de se apresentarem como características levadas ao extremo, temos aqui: a controladora (irmã), a sonsa (madrasta), o omisso (pai) e a pervertida (protagonista) que é a única pessoa “real” diante do festival de máscaras sociais que a série ironiza.

Fleabag é uma comédia satírica, com densidade emocional, e que trás uma realidade: a dificuldade de ser verdadeiro com os outros e consigo mesmo.


The End of the F***ing World

 


Dois adolescentes com questões emocionais se identificam por suas diferenças e pela forma como não se encaixam na “normalidade”. James, um garoto apático, calculista, que se acha mais diferente do que realmente é. E Aylissa, uma garota temperamental, afrontosa que possui uma profunda melancolia escondida em sua reatividade. A relação deles é interessante de acompanhar, já que vamos conhecendo cada personagem a medida que eles se aproximam.

A narrativa mental dos dois protagonistas alterna com os diálogos sarcásticos de maneira fluida, expondo a profundidade de James e Aylissa independente do que é dito por eles.

Essa premissa básica é apresentada em 8 episódios de 20 minutos onde a rapidez é intensificada pela edição acelerada e pela montagem com cortes abruptos que, ora reforça o que está sendo dito, ora contradiz, estabelecendo um clima tragicômico nas situações que cercam a dupla.

Esse estilo confere dinamismo à trama e combina com o frenesi da adolescência, nos deixando dispostos a avançar sempre ao episódio seguinte.

The End of the f*** World é bem humorada, intensa sem perder objetividade e muito mais do que aparenta.

Dark



Criada por Baran Bo Odar, e roteirizada por Jantje Friese, a séria se passa em Winden, uma pequena cidade industrial da Alemanha. Nos primeiros episódios somos apresentados a uma gama de personagens com uma bagagem de perdas e desencontros, e com uma premissa de desaparecimentos misteriosos. No entanto, a série vai muito além do toque sobrenatural que esses sumiços sugerem.

Dark chamou atenção, principalmente pelo roteiro enigmático com questões filosóficas que sustentam uma ficção científica complexa. Debates existencialistas acerca do tempo, da existência concreta de passado, presente e futuro e da coexistência entre eles, são apresentados, não só nas falas dos personagens, mas nos rumos que a história toma.

Com o desenvolvimento da trama o espectador é introduzido em uma dinâmica da qual não estamos acostumados, mas que sustenta o nosso interesse por instigar a curiosidade e deixar sempre uma ponta do fio de Ariadne mais adiante.

Estou Pensando em Acabar com Tudo

  DESAFIANDO A NECESSIDADE DE “ENTENDER TUDO” Charlie Kaufman que já havia se mostrado eficiente para criar uma melancolia não justificada...